domingo, 20 de maio de 2007

Esse não é um título metalingüístico e nem contraditório!

Rodopiou como uma garça podre, e volta no vestido verde de lama. Eu não quero mais isso, eu não quero mais isso. Eu sou um preguiçoso! Um preguiçoso e eu mereço morrer! Olha lá novamente o drama exacerbado! Você não consegue ficar sem ele, não é? Estou cansada de repetir isso constantemente, essa questão do sui dramatis. E, me largue! Saia! Inovações mais uma vez trilhando o seu caminho velho! A mesma coisa, me fazendo dizer o mesmo sempre! Porra. Estilhaços de sangue na parede.

sábado, 19 de maio de 2007

O Conflito

Por que é que precisamos sempre do Conflito?

Que limitação estranha é essa que nos prende junto à essa necessidade injustificável de encontrarmos um conflito? Eu costumo sempre dizer que acho a vida desinteressante por demais - não, eu acho as vidas interessantíssimas, são as maiores formas artísticas - mas, sabe, eu acho que do jeito que eu gosto de dominar e construir e destruir e compor e estruturar e dar cor e plantar - e tudo isso que deriva do criar em si - as coisas, a vida ficaria mais interessante, bem mais interessante. E é por isso que os conflitos me atraem. É, na verdade, a primeira frase desse texto é para mim mesmo, talvez somente para mim. Mentira, duvido que seja somente para mim. O fato é que a idéia do conflito me atrai, por demais.
Mas, entende?, por que é necessário um conflito para que algum elemento ganhe destaque? Por que é necessária uma provação para que o herói seja mesmo o herói? Essa última frase não expressou muito bem o que eu queria dizer, vou melhorar. Por que não conseguimos ver a beleza com êxtase máximo nos elementos isolados de um conflito, a parte de um enredo? Será que isso é com todos, ou só comigo?

sexta-feira, 18 de maio de 2007

Estudante da UnB tem Bicicleta Roubada no Campus


Correio Brasiliense, 17 de maio de 2007


No último dia 16 de maio, quarta-feira, o estudante Felipe Ricardo Baptista e Silva, aluno do segundo semestre de Relações Internacionais na Universidade de Brasília, teve sua bicicleta roubada na frente do prédio de sua própria faculdade.
O garoto afirma que havia estacionado o veiculo na grade específica para bicicletas, juntamente com outras bicicletas, por volta das nove horas e trinta minutos da manhã de quarta, na frente da entrada lateral da FA, o prédio onde se centraliza o seu curso. Ao fim do dia, ao retornar ao local para retirar-la, deu conta de que ela não estava mais lá.
Poucos minutos antes do fechamento desta edição, o reitor Timothy Mulholland, comovido com o caso do pequeno Pi, afirmou que a Universidade dará um carro ao aluno e custeará a gasolina durante toda a sua vida acadêmica.

terça-feira, 15 de maio de 2007

A Indecisão e as Frustações do dia de hoje me impediram de decidir esse título


Seria algo mais ou menos assim:

Título: Liberdade é irmã gêmea da verdade!
A liberdade é uma impossível e paradoxal tentativa de conciliação que nunca encontrará um fim.
A verdade é uma impossível e paradoxal tentativa de conciliação que nunca encontrará um fim.

Mas a insatisfação e a amargura do dia de hoje me impeliram a dar um tom mais sério e seco ao texto. Ficaria algo assim:

Título: Liberdade (não, não seria esse o título! Não meeesmo!)
A liberdade é uma impossível e paradoxal tentativa de conciliação que nunca encontrará um fim.

Enfim, dizer o que eu pensei em postar é apenas uma forma de fazer isso aqui ficar um pouco mais interessante do que isso encontra-se nesse momento na minha cabeça, por mais que eu dê um valor astronômico a isso tudo.

segunda-feira, 14 de maio de 2007

Análise - Adeus, Lenin!


Este filme mescla perfeitamente bem informações históricas com uma interessante construção cinematográfica. Pretendo abordar, nesta análise, esses dois lados do filme, que se completam belamente.
A “Berlim dividida” e conflituosa dos anos 80 é o pano de fundo para a história. Vemos uma família composta de três membros, Alex – personagem cujo olhar é a base para como o filme será desenvolvido -, sua irmã e sua mãe. Após um acidente, a mãe de Alex entra em coma por oito meses, e, durante esse período, ela perde uma enorme gama de acontecimentos políticos e sociais que se desenrolam com a transição econômica.
O primeiro aspecto histórico que abordarei se refere à velocidade dos acontecimentos que o filme retrata. Em um espaço de tempo menor que um ano, ocorrem mudanças importantíssimas, tanto no espaço nacional alemão quanto no meio internacional, que se resumem basicamente a queda das tentativas socialistas no mundo. Aponto aí uma característica que está intrincada no mundo atual: a veloz pós-modernidade, em que tudo muda rápido; fatos históricos recentes se tornam passado em um piscar de olhos. Para comprovarmos isso, basta analisarmos a magnitude da queda do socialismo no mundo, um processo extremamente complexo que consegue finalizar-se em menos de um ano.
Outro ponto a ser discutido é a forma com que o “pano de fundo histórico” influencia diretamente na vida das pessoas. A família alemã de Alex, assim como os outros personagens do filme, atravessa os acontecimentos da época sentindo na pele suas conseqüências, dificuldades e nuances. Isso pode ser exemplificado por algumas cenas, como por exemplo, à em que Alex corre desesperadamente em um antigo supermercado nacional procurando por produtos que ele facilmente encontraria a alguns meses atrás, mas que agora estão em falta devido à desnacionalização do país; ou então os inúmeros takes que focalizam a rua da casa de Alex mostrando a grande quantidade de mobílias que os moradores abandonaram por inúmeros motivos. Vemos assim que o impacto dessas mudanças não se resume ao panorama político-social, mas se estende ao cotidiano e à ideologia das pessoas.

Grande parte da beleza do filme se encontra na estrutura que ele usa para contar a história. Podemos, através de uma boa análise cinematográfica, destacar quatro “planos” sendo desenvolvidos no filme, ou seja, três “histórias” que estão sendo contadas ao mesmo tempo. A primeira, já destacada, é o contexto histórico, o background. A segunda trata da dinâmica familiar, sob o olhar de Alex. A terceira traz ao espectador uma antiga história dessa mesma família, que se viu dividida junto com Berlim; refiro-me a história do que ocorreu com o pai de Alex, que preferiu ficar na Berlim ocidental, enquanto a mão levou os filhos, ainda pequenos para a porção oriental. A quarta, que acrescenta um tom especial ao filme, é a própria mentira de Alex, o próprio mundo que ele inventa como se tivesse o poder de escolher os rumos da história. Essa é a parte mais importante do filme, pois aqui há um diálogo com o espectador sobre o próprio papel da história, construindo questionamentos acerca de como a história se constrói e qual é o papel das pessoas perante a ela, além de também apresentar o interessante lado criador e sonhador do personagem Alex, que faz da sua própria vontade sua mentira mais bem desenvolvida.

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Análise - Perfume: A História de um Assassino


Não acho fácil falar de Perfume. Tom Tykwer é autor de outro filme que gosto muito, o famoso Corra, Lola, Corra. E não sei muito bem como começar essa análise. Vou atirar algo para o alto.
A primeira coisa que me chamou a atenção, e que mais me chamou atenção, foi a iluminação do filme. Que coisa interessante o que ele faz com ela! Parece-me que ele usa além de posicionamentos muito fortes – digo fortes porque deixam em destaque a sua artificialidade e intensidade – tonalidades diferentes das quais haveria em tais ambientes, como por exemplo, a cor amarela direcionada diretamente para o rosto de uma moça em um beco escuro. Achei muito bonito e esteticamente rico esse trabalho.
É um filme com uma fotografia fantástica, diria até que exageradamente bonita. Além disso, os lances de câmera, os enquadramentos e ângulos, estão muito bem trabalhados.
Quando fiquei sabendo que Perfume seria filmado, imediatamente pensei que seria um trabalho difícil, mas que, se bem feito, poderia render um filme nada menos que maravilhoso. O impasse de filmar essa história seria justamente romper com os limites da linguagem cinematográfica. Oras, Perfume fala de essências olfativas, como transmitir essas sensações ao espectador?
E é exatamente aí que eu acho que o filme peca. Ao assistir, vi todo um cuidado para tentar transmitir o que a personagem principal sentia, os odores e cheiros mais diversos, mas que, no entanto, acho que não foi o suficiente. Basicamente, o que se faz é uma associação de imagens, mostrando o objeto cujo cheiro o personagem principal sente. Funciona mais ou menos assim: o personagem sente algo, e logo, há um bloco de imagens no qual o diretor expõe “o odor”. Acho pouco, muito pouco. Falta uma maior diferenciação entre cada cheiro em si, e com elementos muito específicos (algo que faz muita falta) principalmente nas seqüências em que são apresentadas as vítimas do assassino, onde não se percebe visível diferença entre elas(para mim, todas elas tem apenas cheiro de mulher). Falta uma trilha sonora intensa e muito característica que aluda a cada odor em si, as sensações que ele traz. (Além do mais, a trilha do filme é toda muito pobre). Falta um trabalho especifico com o ritmo de câmeras, tentando acompanhar as nuances que tal cheiro tem, ou reações que ele provoca. Falta, falta, falta. Na verdade, isso tudo são valores prescritivos, ou seja, como eu acho que o filme deveria ser construído.
Percebi que o filme entrava em um “patamar superior” com a cena da caverna. O assassino, saindo de Paris, encontra, em campos ermos, uma caverna e percebe que lá não havia nenhum outro cheiro, a não ser o de “rochas mortas”. E é dito que lá ele poderia descansar, pois sua mente poderia se situar em nada além dele mesmo. E, logo, a próxima cena mostrada, é ele, ainda na caverna, com cabelos e barba longos percebendo que havia perdido o seu cheiro, perdido sua própria essência. Bastante epifânico! Mais tarde, ele se dá conta de que ele nunca teve cheiro algum, e isso causa um abalo na sua pessoa, já que, para ele, o ponto mais importante de uma pessoa é o próprio cheiro, pois é com o qual que as outras se lembrarão dela, ele diz que o cheiro é a alma da pessoa. Acho que aqui ele aprofunda o seu sentimento de ser diferente dos demais.
Acho que Perfume se configura muito político. Digo isso me baseando nos últimos quarenta minutos. A cena da “morte” de Jean-Baptiste é um ótimo representante de toda essa politicidade da obra. Podemos, aí, fazer inúmeras interpretações. Poderíamos dizer algo sobre uma essência – e o que viria a ser essa essência? – que tem o poder de dominar pessoas. Poderíamos dizer algo sobre como as pessoas se rendem com imensa facilidade, tendo seus ideais e vontades subjugados, talvez por uma sensação. Poderíamos dizer algo sobre a importância das aparências frente à todos, e também a inescapabilidade à essas aparências, a sina do ser humano.
Também achei interessante o relativismo que o enredo nos traz. Teço aqui perguntas que facilmente podem ser respondidas: O que motivava o assassino? Era amor? E o que trazia tanto repúdio e asco ao povo à imagem do assassino? Tudo isso é quebrado após a seqüência da condenação, da “morte”, a qual representa o ponto de inflexão do filme: o povo se torna súdito de um assassino, que antes condenou à morte, e o assassino se cansa, por perceber que nada mais valia à pena, já que a única coisa que ele não poderia ter e que nunca teve, foi o amor.
A questão política é fechada de maneira belíssima, com a cena-quase-final, que ocorre no local de nascimento do personagem, em que ele despeja todo o perfume em sua cabeça e é devorado pelos habitantes do local, após ser glorificado e adorado pelos mesmos. Ou seja, como não lhe interessava mais a poção do poder que ele havia criado, ele morre com ela, com a corrupção que ela traz.

quarta-feira, 9 de maio de 2007

A Chave e a Coisa


Como assim? Que coisa! Que simbologia ridícula! Estava eu me alimentando de um delicioso pacote de Bono recém comprado, o qual possui 21 cm de altura e 4 de diâmetro, sabor Floresta Negra (o chocolate puro e convencional me enjoa), quando sentei-me no sofá e liguei a porra da televisão. Me deparei com toda a magia dum ser vestido de branco, meio gordo, desajeitado, esquisito e velho: o Papa. Opa!, o papa.
Como eu queria estar em São Paulo na sua recepção! A transmissão televisiva estava divertidíssima, e toda a energia e animação católica me consumia! Não agüentei, me levantei do sofá e me pus a dançar animadamente algumas das músicas que o coral de não sei onde cantava.
Voltando: que simbologia ridícula! Deus do céu! O prefeito de São Paulo, como de costume, ofereceu ao papa A Chave da Cidade. ????????. A chave? Como assim? O que ele quis representar com isso? Absurdo! Por que, assim, pelo que eu sei, por exemplo, uma senhora de 63 anos de idade, quando recebe uma pessoa importante em casa, ela oferece uma xícara de chá, outras pessoas, um cafezinho, eu dou um abraço. Mas uma chave? Uma chave enorme, feita de sei lá qual metal, que nem cabe no bolso do bom velhinho! Teria sido muito mais interessante ele ter ganho um guarda-chuva! Ó, não, um guarda-chuva não. Não se sabe o que essas pessoas podem fazer com objetos longos...
Tá, uma chave. Tudo bem. Vamos lá, o que significa essa chave? Significa que o papa agora comanda a porta de São Paulo? Que ele pode entrar quando quiser? Ele vai ficar com a chave pra sempre? Ele pode levar para casa? E mandar, na surdina da noite, fazer algumas copias e vendê-las ao PCC? Sei lá, nunca se sabe. E outra, deve haver muitas copias dessa chave, porque não é a primeira vez que eles entregam ela a visitantes. Tipo, Stálin poderia ter tido uma chave de São Paulo? “Que tal uma chavinha aí, Hitler?”
E agora, para finalizar com classe, glamour e muito estilo, vou fazer alguns joguinhos de palavras com a palavra Papa (Espera! Palavra vem de lavra, que corresponde a trabalho. Mas o papa não trabalha! Quer dizer que papa não é uma palavra? Qual a natureza do papa?). Então, vou fazer joguinhos! Vamos lá, crianças! (veja a jovem professora do pré, muito feliz e animada na sala de aula).
Papa-pomba-pouco-papa-pomba!-popó-papa-o,papa,pipocou-papa,don’t,preach-papa,papel-papa,puto-papa,papinha,de,neném-papa,bicho,papão-papa,pacato-a,pata,do,papa-o,papa,papou,pouco,comamais!
O papa é pop! Meu deus, Que jogo bom foi esse último! Tenho que fazer uma música com isso! Que tal: “O papa é pop / O hippie é pó-óbre!” Muito bom, muito bom! Não, não, não me aplaudam! Aplaudam Deus (dedos cruzados), pois foi ele quem me inspirou. (Logo, Deus é minha musa??? Que coisa!). Mas o que estou dizendo!, Deus não me inspirou! Deus me CRIOU! ... ... ... E qual foi a inspiração dele? Eu? (logo sou Deus?, defina “logo”?). Logo sou a musa de Deus? Meu deus!, eu sou Maria! Ó! E, eu sempre querendo aplicar o complexo de Édipo nas coisas, me, desculpe, me, desculpe, pela, falta, de, tomate!

“Não se esqueça que: nem tudo que eu falo aqui, corresponde à minha opinião; nem tudo que eu digo aqui, corresponde ao que eu penso; nem tudo que é aqui é verdade. Até mesmo essa afirmação. Ou não, talvez eu tenho escrito isso aqui com o puro intuito de me esquivar de críticas alheias ou atritos com leitores.”

A Joca


Ah, como a querida é uma pessoa querida. E foda, demasiado.
Ela disse:

"hoje eu estava fazendo prova e tive um insight.eu gosto de filme plástico,betolucci,almodovar.mas saquei que eu tenho uma meso-visao critica.saquei a sagacidade de Godard em Nostra Musica.imagina colocar guardas do paraiso, como guardas norte-americanos.não gostava pq talvez não intendia com meu tbm meso-prestar atençao.tudo isso deve ser obvio pra vc(não só que me faltava questao critica,mas como a propia visao critica que vc tem para filmes).mas pra mim foi uma puta descoberta meio logica do tipo:"nossa procurei meu oculos a casa inteira e ele estava na minha cara".estou escitada e triste.como melhorar meu senso critico?eis a questao...
***seria essa a reproduçao do texto que esta no orkut do beto ou o original?ambos são meus criticos prediletos ;}
bjoss doces"

terça-feira, 8 de maio de 2007

Teorizações


Ontem estava me perguntando por que motivo me atraio tanto por teorizações. Me atraio por elas, gosto de compreender as coisas, sei lá, ver as coisas que em mim são desorganizadas organizadas, por mais que eu goste da desorganização. A resposta é que eu não sei o motivo. Levantei hipóteses. Consegui estruturar algumas: a prática, a discussão e o discurso.
Quanto à prática, refuto totalmente. Não me sinto interessado por teorias tendo em vista assumir tal posicionamento no mundo ou adquirir tal ideologia. Exemplo disso, gosto de ambos os lados, aprecio autores que são o oposto um do outro, o que seria impossível se meu foco ao ler Teoria fosse a busca por uma posição embasada.
A discussão já me parece bem fundada. Trabalhar com Teoria e se envolver com elas, tem sim em mim um fundo de possibilitar discussões e, inclusive – o que é o mais importante – tem embasamento no nível de argumentos e contrapontos. Por mais que esse, sinto eu, não seja o único motivo nisso tudo.
A hipótese final, que tem se firmado bastante lógica hoje em dia, é que as teorias pelas qual me envolvo servem como o pano para meu entendimento do discurso. Ou seja, para a análise do que é dito. Para a análise do que é dito, da forma como os argumentos se estruturam, se se fazem válidos ou não, quanto às incoerências, e inclusive contrapontos. Acho importante dizer que a análise do discurso não é a ferramenta usada para criticar, sei lá, politicamente as idéias de Maquiavel, mas sim a ferramenta utilizada para perceber as nuances, inclusive retóricas e estruturais do que é afirmado. Logo, a análise do discurso é desprovida de ideologia. Mas isso não é novidade.

sábado, 5 de maio de 2007

A Interpretação


Muito se discorre sobre as técnicas de interpretação. Um amigo meu me contando sobre uma conversa dele acerca desse assunto com uma estudante de teatro me transmitiu a opinião da moça. Ela disse que, dentre as inúmeras técnicas que são propostas aos atores para interpretarem, existe uma – na minha opinião a mais conhecida, mais senso comum, porém a mais difícil – que é a que propõe que o artista encarne o personagem. Ela deu procedimento ao seu discurso, afirmando que ela não gostava muito dessa técnica e que achava que ela era prejudicial ao ator, pelo fato de que este deve se preservar. O nível de encarnação deve ser tamanho que a pessoa do ator se apague, passando de um estado de monopersonalidade para um outro de esquizofrenia, e, logo em seguida, para um estado final – no qual o artista encontra-se pronto para encenar – que é a “plena” dominância do personagem. Também é fácil observar que, um bom modo de avaliar o trabalho de um ator é medindo esse nível de dominância que ele permite ao personagem dentro de si, especificamente nessa técnica. (acho que não preciso dizer que, por melhor que seja o ator, nunca essa dominância da personagem será plena!). Tendo isso em vista, ela afirmou que essa técnica seria prejudicial ao artista, pois ele deve se preservar; por exemplo, em uma cena em que o personagem comete suicídio, o que ocorreria? Estando o ator perdido na personagem, ele cometeria também o suicídio.
Expresso minha indignação. Argumento ABSURDO! É difícil perceber que as coisas não funcionam assim? Por que, na minha opinião, essa técnica é uma das melhores, mesmo sendo a que exija trabalho mais árduo. E outra, cabe ao ator a combinação dessas técnicas, cabe a ele ter a sutileza de perceber quando é adequado usar essa ou aquela técnica, sabendo contrabalancear e equilibrar o plano de atuação. Além de que, como já disse, nunca (nuca diga nunca!) o personagem conseguirá adormecer toda a personalidade da pessoa, o que impede que ela faça algo desse tipo, que agrida fortemente ela mesma.
Enfim, quero estudar mais sobre o assunto.

sexta-feira, 27 de abril de 2007

Dia Dois


Eu sou um espelho e todas as coisas que faço são voltadas para um espelho. Penso nos meus reflexos, mas durmo com fantasmas, e a minha lente continua quebrada. Tudo o que eu escrevo – e o tudo se refere também a isso – é um reflexo pensado. Criar coisas envoltas, dar vida, ver a realidade perder na ficção e a ficção ursupar a realidade com unhas pretas. E, acima de tudo, adorar que vejam isso.


O que eu quero para a minha literatura é fazer algo escancarado, uma criação que saiba que é uma criação, com doses cavalares de consciência, e que com isso sinta sua sorte passando por seus sentimentos.


Hoje morre minha criação artística impessoal. Quero algo imbricado, em que o verdadeiro tenha como caixa-preta o falso, e esse, um labirinto sem curvas daquele.


Mais uma vez (olha as repetições, felipe ricardo!) não quero poder distinguir o que há de pessoal no que eu escrevo do que é inventivo.

quinta-feira, 26 de abril de 2007

Pragmatismo de la Mancha


Aprendi a ser pragmático. Ou melhor, considerando que esse não é o tipo de coisa a se aprender, eu digo: o pragmatismo entrou em mim. Definitivamente. E, eu digo isso de uma forma muito consciente e embasada.
O que me agora me incomoda na falta de um senso pragmático é o descompasso. Agora, porque antes não conseguia perceber, era um incapaz. Que descompasso é esse? É basicamente aquele se nasce do atrito entre valores descritivos e valores prescritivos, decorrente de suas aplicações. É algo simples, é como se tivéssemos uma geléia de moldar, com a qual desejasse fazer uma escultura, ou sei lá, algo do tipo; e, ao invés de trabalhar manualmente com a peça, o artista – sim, porque o social também é arte – reclama e em um monólogo muito consciente diz que gostaria que a massa fosse de uma outra textura. Até então tudo bem. A problematização nasce quando o trabalho que ele viria a realizar fica impedido de tomar forma devido ao fato de que a peça não é de um modelo o qual ele idealiza.
Decorrente disso, tiro uma outra coisa: essa questão da idealização me pareceu curiosa agora. Como é interessante como esse artista deposita em uma idéia interior sua um valor que faz ele crer que seja essa a sua verdade, ou melhor, que seja esse o melhor caminho, ou algo do tipo...
Só digo que tenho medo. Medo, por tudo que ouvimos está contaminado, talvez até mesmo essa informação. Ai, que nojo desse tom esquerdista revoltado e vago! Preciso fazer uma correção: Por favor, não me refiro à contaminação oriunda da mídia manipulada blábláblá não, isso não se encontra no cômodo das coisas que eu viria a dizer, pelo simples fato de que isso está batido de mais, já ficou em voga de mais, - pensando agora eu acho que deveria haver uma lei que normatizasse essas coisas, que, por exemplo, evitasse que um tema ficasse tempo de mais no agenda meeting até se tornar clichê-, eu me refiro à contaminação das lentes. As lentes de cada um. Antes de conhecer esse termo, eu falava em sublimação de opiniões, que em pouco tem a ver com o conceito freudiano de sublimação, mas agora que o descobri, me sinto mais feliz.

sábado, 3 de março de 2007

Sai daqui, saí daqui!

Extremado no meu cansaço de não por em prática o que eu quero. Extremado na minha preguiça de não produzir. Extremado nos extremos de uma latencia que me enjoa e deixa mais ainda preguiçoso. É definitivo agora, adoro falar isso, agora sim, não deixarei nada por terminar(mais no sentido de "não terminarei mais"), e porei mais as coisas pra fora. Ou melhor atirarei as coisas para fora. Sabe, não encaixa eu ficar guardando coisas na minha cabeça e não desenvolvê-las, e não vê-las prontas, sem produtividade para compensá-las. É defintivo agora, já decidi que não será mais assim.Mas, olha só!, também são definitivas e eternas e múltiplas as vezes que eu digo isso das coisas, e nada muda, as vezes em que eu me proponho isso, e acordo no dia seguinte derretido, estendido na cama e derretido. E mais uma vez, talvez eu só tenha dito aqui que isso é definitivo somente pra ter dito isso sobre alguma coisa. Como é lindo dizer que algo será de tal forma.Mas eu sim concordo que não há logica alguma pra que eu prossiga com esse nível de produtividade pífia que tenho. Sabe, a minha auto-crítica é enorme, e ela é um dos motivos para que eu me pode, para que eu leia algo e diga "horrível! boçal! limitado! pouco inovador! fraco!", e acabe por abandonar tal projeto ou atirá-lo no terceiro canto do meu quarto quadrado. Alguém que pouco me conheça poderá dizer - como já me disseram antes - "ah, force-se a escrever, ou escreva qualquer coisa sempre que quiser, ou que precisar, pelo menos para sair disso, e tal..." E tal, uma ova! Comigo não é assim, comigo não é assim, e não quero dizer como é comigo.Está vendo? E eu nem gostei dessa porcaria toda aqui. Não mesmo.Vai embora, sai daqui, saí...

Toddy Noturno

Hoje eu me levantei da cadeira, me dirigi a cozinha e preparei meu imenso copo de leitinho-com-toddy gelado. Comida da madrugada. Sentei-me na cadeira de novo. Bebi, quando estava no final, tive que emborcar o copo, e o pescoço também para que o restinho viesse a cair na minha boca. Emborquei-me, bebi. AO voltar da posição em que estava, segurando o copo de vidro na minha boca, virei os olhos e me vi fazendo uma expressão muito curiosa. Digo curiosa porque se tratava de uma expressão voltando-de-uma-posição-de-beber-um-resto-de-algum-líquido-num-copo-alto. Era uma expressão de esforço, ou de um mergulhador que acaba de retornar à superficie após uma busca lá em baixo. Ou então de uma pessoa que estivesse sendo sufocada e voltasse a respirar. Não que haja alguma metáfora nisso, não, não há. Esse parágrafo aqui é só uma descrição, sem conflito algum. Bom, a não ser que você queira dar um conflito a isso. Fique à vontade.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

Fragmentações

Desculpe-me por não ter, ou ter e não querer fornecer, uma poçãozinha rocha-choque. E é por isso que as coisas na vida tem que ser fragmentadas, saca? Lembra d'a gente conversando sobre isso? Têm que ser fragmentadas para que você não escape do "viver precisando de tais coisas". É simples. Acho que você pegou exatamente o que eu disse. Sabe quando assistimos um filme foda, que nos faz pensar muito sobre e depois desenvolvemos muito a idéia na nossa cabeça conversamos, descobrimos coisas, mudamos concepções, percebemos outras coisas, e tal? Então, ai você vai dormir à noite, e no outro dia acorda em um plano MUITO mais baixo de raciocínio, de volta a normalidade, no qual você pode até se lembrar, pode até saber de tudo o que passou na noite anterior, mas não se sentirá do mesmo modo. O sentimento se perdeu. Ocorre a fragmentação. Não conseguimos levar a coisa a diante, sem que haja uma quebra que nos traga de volta para esse poçode paredes altas que é a vida - nossa, que metáfora brega!. Pode ser ate que depois de algum tempo voltemos a ter de novo essas percepções, e teremos sim, várias vezes. Mas haverá também inúmeras outras fragmentações para não deixar que essas coisas continuem consecutivamente. Pronto, pode fragmentar agora.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Ziara

Pelo o amor de deus me mate! Vá com deus, essa é a frase que você sempre diz, sem motivo algum, talvez uma herança familiar, talvez uma. Pelo amor de deus me mate! E eu digo isso com essa voz estribuchada porque você quer que eu tenha essa voz. Mas que diferença faz, leitor? Você só poderá ler minhas palavras, e não ouvir-me. Mas como você acha lindo criar um clima! Oh!, um clima! Como você adora me fazer falar com ele não é? E olha só!, você é bom mesmo! Se podes perceber - realmente, você foi muito bom no uso da segunda pessoa - no paragrafo anterior há um diálogo duplo!, um diálogo duplo! Hablas Duplicata!, - que lingua é essa? ah, não importa! - pois fala-se com o meu amigo que está de frente a mim, e com o meu outro amigo que está dentro de mim. Ou será que fora? Será que fora senão dentro? Dói. Ah, mas dói. Cala a boca. Se dentro, saia! Eu não delego a ti as minhas escolhas. Eu tenho esse direito!, ah, como?, não me faça dizer isso! Eu não tenho direito algum de ter direito algum! Brinquedinho liquido! Onde está o copo? Crudelis! É!, se é assim, pelo menos eu posso reclamar! - é fato que eu posso reclamar pois isso será extremamente bem vindo ao seu drama constante. Me criou para entre-te-lo, mas me tem presa a você! Fará bem a você, é, fará! Ou foi para os outros? Entre-te-lo ou entre-te-los? Ah! Mas você é os outros! Não há muros aqui! Você é os outros! E digo, alguém percebeu sua metáfora do espelho noite passada. Os outros é você na frente do espelho. E, por medo, me faz dizer: Não sei até onde isso tudo é verdade. Como tudo, não é?

domingo, 11 de fevereiro de 2007

Voz

Quanto tempo. Quanto tempo eu tive até agora. Eu não sei, eu não sei mais. Parece-me que tudo o que eu já sou se foi, e nada mais me aguarda no Hall dos Sentimentos Perdidos. O quarto está cheio de gente, vazio de gente. Ah, e como eu sinto falta daqueles tempos; que tempos! É estranho eu não achar estranho esse doer, essa falta. E essa é definitivamente uma palavra estranha, uma palavra estrangeira, pois as pessoas só passam a conhecê-la realmente quando a sentem, por que as verdadeiras palavras são assim, ocultas por debaixo de um pano negro, dificultando sua própria revelação. Que corredor é esse? Essa não pode ser a minha casa. Não, definitivamente não é. Mas eu estou gostando do meu medo.
Quantas palavras eu ainda tenho a descobrir? Eu me melancolizo com isso, a ver que as coisas são definitivamente extensas e enormes. Mas ao mesmo tempo sinto que é isso mesmo, é, que é isso mesmo o que deve ser para ser. Com apenas essa finalidade? Sim, ser. Sir, sem. Que simbiótico. Eu me simbiozo como um gozo e me simbiolizo nesse jogral ao aceitar esse sim e ao ser esse sim.

Vou escrever um dicionário!

Não, não vou mais.

Refuto essa idéia porque os mágicos vieram até mim. Vieram até mim e pediram para que eu parasse com tudo isso, para que eu deixasse isso tudo de lado e fosse embora. Eu não fui. E nem vou. Os mágicos são mágicos. Eu sou uma pessoa. Desestrutura. Que desestrutura mais desértica! O que é isso? Não estou mais só, tenho agora uma pessoa ao meu lado. Não, ao meu lado não; na minha frente. Não há ninguém do meu lado. Nunca houve.

Voz.

São só seus olhos, só seus olhos gordos. E verdes. Largue-me! Estou cansada e nojenta! Ampute meus membros inferiores e me deixe correr livremente por aí, por favor! Você é a única pessoa que poderia fazer isso a mim! Eu lhe peco! Eu lhe peco! Que será então se eu continuar assim?
Quero derreter e me refazer em papel-maché. Para ser um ser frágil e delicado, cor-de-rosa. Não, não disse rosa-choque, não quero; quero rosa claro, clarinho, e leve. Porque é assim que eu gosto das coisas, leves. Drama, drama. Não pense que deixarei você no chão, absurdo! Absurdante. Levante-se. Levante-se! Pare com isso e ande! Ande!
Onde estão os livros? Volte para o corredor amarelado! De que serve perguntar onde estão os livros? Você se recusa escrever um dicionário. Volte para o corredor amarelado! Drama, drama. Derreta, então.
Eu não lhe culpo. Não mesmo. Está cada vez menor. Cada vez
Menor.
Como? Cada vez menor, cada vez menor.
Volte! Porque as frases estão cada vez menores?
Derreta!
Você está derretendo
Meu
Bem.
Quero derreter e me refazer em papel-maché.

sábado, 10 de fevereiro de 2007

Pueva

Meu nome é pequenos gestos. Mas eu digo que eu só tenho esse nome porque você quer que eu o tenha, porque, você além de detalhista, gosta de imprimir às pessoas suas características favoritas. E, logo, deixo de ser uma pessoa e me vejo uma personagem. E uma personagem que não é apenas uma posse, pois você não só me possui, não só me criou, como também eu dependo de você, você que derrama o batom vermelho na minha cara. E então eu questiono, é o “depender” a questão central nisso tudo? Você me cria porque gosta (fique a vontade para substituir esse verbo) que eu dependa de você? Que eu viva para você? Mas talvez haja uma abordagem mais otimista (me expressando assim, até respiro um ar cientificista, mas, perdão, você não quer que eu o tenha, perdão), uma abordagem na qual eu não “dependa” de você, mas sim (e agora eu reservo a mim o direito de trocar o verbo) que eu “complete” você, em uma simbiose intelectual (perdão mais uma vez). Eu gosto mais dessa segunda abordagem, mas não sei se ela é a mais verdadeira, ou se eu realmente gosto mais dessa, porque você pode estar apenas impondo isso a mim. E, mais uma vez, considerando que a segunda abordagem seja verdadeira, impor isso tudo a mim, é impor isso tudo a você mesmo. Porque você gosta. Sim, você gosta e se orgulha. Terminará e lerá e apreciará. E é como se você já soubesse tudo o que eu digo (e você já o sabe), mas mesmo assim enfia essas frases entre meus dentes e se delicia com tudo isso. Vá, vá embora. Deixe-me fumar meu cigarro em paz. Eu sabia que você me faria dizer isso no final disso tudo! Agora procure um título. Meu nome?

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

Mergulho


Estava uma delícia, cenoura era uma delícia. Créock. Mordidas e mais mordidas alaranjadas e bem geladinhas. Deglutições. Créock. Aquele era o almoço e o café do dia anterior. Mastigações. Créock. Créock. Acidente de repente: a cenoura e o talo do dedo receberam a mesma mordida. A unha foi-se. E do alaranjado fez-se o vermelho. Não se assustou, e, logo, deglutiu o pedacinho do alimento e do corpo, que já estavam na boca. Gotinhas vermelhas com vitamina A pingaram no chão. Olhou para as gotas, fechou os lábios e levantou-se do sofá.
Foi até a cozinha, pegou um guardanapo. Voltou até a gota e começou a limpá-la. Então percebeu que seu dedo já havia cicatrizado. E, ali, agachado naquele pedaço de chão feito de mogno e um pouco desgastado, as gotas pareciam ter expandido, estavam com um volume maior. Redobrando o guardanapo tentou limpar. Viu que aquele pedaço de papel estava completamente encharcado. Pegou a barra da camiseta utilizou-a. O líquido manchou o tecido. O líquido caminhava no tecido de fibra em fibra, linha à linha. E logo toda a roupa estava respingando o liquido.
Agora um pouco assustado, correu à cozinha, pegou uma bacia vermelha, encheu com água, pegou um trapo e voltou à sala. A vermelhidão já se arrastava por uma parte do chão. Agachou-se e seus joelhos se coloriram, assim como os cotovelos. Passou a esfregar o pano úmido de água da bacia no mogno encharcado; o líquido e a água passaram a correr com maior velocidade. As mãos ajudavam a espalhas aquele fluido pelas reentrâncias e fendinhas do chão irregular e falho.
Estava ficando desesperado – e cansado. Desenhos iam se formando sobre a madeira conforme o rodo-mão-pano ia passando. E, logo, toda a sala estava banhada pelo vermelho. Ergueu-se, levou as mãos à cabeça, desesperado – os cabelos também se coloriram. Estava em um desespero ofegante; suava um suor salgado que ao respingar encontrava o caráter neutro do liquido no chão. Sua saliva também começara a escorrer, com pequenas borbulhinhas, e ia formando riachinhos pelo corpo ou pelas tiras de roupa vermelha até o chão.
Já estavam todos os moveis coloridos e todos os tapetes submersos pela camada sanguínea. Sangue, sangue, era um fluido sanguoso, não só sangue, era sanguoso e denso.
Olhou para os lados. Percebeu que havia catarro no nariz e lágrimas nos olhos que escorriam freneticamente. Sentiu também o calor nas coxas: era a urina. Sua respiração não mais eliminava gases, mas sim vapores e umidades compostas. Ambiente se dava por úmido e quente, porem ele sentia frio. “Como acabar com tudo isso? Como limpar e retornar?”.
Com as últimas forças das pernas foi até a cozinha, pela última vez, abriu o armário, pegou um pote grande e voltou correndo à sala. Abriu o pote, o que havia no pote? Meteu a mão lá dentro e apanhou um punhado de sal. Atirou o pó branco no chão, por todas as partes, em todos os móveis, e no próprio corpo. Esfregou o sal com as palmas das mãos no rosto, nos braços, nas orelhas, nos narizes. Rapidamente, os animais invadiram a sala: eram os gatos, velhos, sujos e porcos, que passavam a se banhar e se alimentar.
Sentiu-se perdido, rasgou a roupa, ficou nu; espalhou sal por toda a superfície do corpo. Sentiu-se perdido, e viu que havia morrido já há uma semana.

Terminal


Naquele dia ele acordou como se houvesse chupado um limão na noite anterior. E realmente sua boca encontrava-se ácida por demais, seca por demais. Lembrou-se: é perigoso, perigoso ter os lábio desse jeito.
E lá, jogada no sofá, a moça permanecia dormente, na verdade adormecida, conspirando, talvez, em seus sonhos, contra si mesma. Ou não, talvez ela estivesse somente sonhando com algo, porque é sempre com algo que nós sonhamos. Sua saia vermelha bastante curta, manchada de conhaque escuro, porque era desse que ela gostava, estava estática, delineando os contornos e tornos das pernas. Algumas mechas do cabelo, castanho escuro, deitavam sobre o rosto.
O que ele mais queria era saber com o que ela sonhava! Não ousava nem mesmo especular o que viria a ser. E, então, bruscamente ela se ergueu, respirando fundo e rápido. Ela tinha o olhar desorganizado e os lábios derretidos. Levou a mão esquerda à testa e tossiu duas vezes.
-Diga-me, com o que sonhava.
Ela fitou-o diretamente.
-Não sonhei com você, meu amor, fique tranqüilo – respondeu em tom de sarcasmo.
-Diga!
Ela estremeceu, pôs-se de pé. Ela fez o mesmo. Após piscar duas vezes rapidamente, ela disse:
- Sonhei um sonho.
- O que havia nesse sonho?
- ...Sonhei que eu havia morrido. Sonhei que eu mesma não estava no meu sonho.
O homem, assustado, deu um passo para traz. Permaneceu calado. Então, desenhou na face uma expressão de raiva.
- Como você pode?
- Não tive culpa! Não sou eu quem escolhe os meus sonhos!
- Então quem o faz?
Silêncio.
- Eu não tive culpa de sonhar um sonho sem eu mesma! Você não pode me culpar por isso!
- Não lhe culparei, apenas lhe punirei.
- Você não pode fazer isso! Eu já lhe disse! Não escolhi sonhar o que eu sonhei...
- Infelizmente as convenções atuais impedem que você continue viva, e, se eu não lhe matar nesse instante, alguém acabará por fazer o mesmo nos próximos minutos.
- Mas você não me ama?
- Hunf, como eu poderia continuar amando alguém que sonha o que você acabou de sonhar?
A moça chorou altamente, o homem dirigiu-se à cama e lá pegou uma fronha suja. No sofá, a moça soluçava vibrantemente. Com medo.
-Vamos, sente-se direito.
- Não acredito que você terá coragem de fazer isso comigo. Eu entendo que o que fiz é absurdo, mas... eu não quero morrer por isso. Livre-me disso!
- Vou livrar-lhe disso, matando-lhe.
Ela meditou por três minutos. Não era uma meditação fúnebre, e muito menos era o número três o seu número da sorte, mas, dessa vez, ela acertara em cheio:
- Como você pode ter certeza de a obrigação que agora você sente em me matar para me punir não é algo apenas fruto da sua mente?
- Como? – ele não havia entendido.
- Digo, você está certo de suas convicções? Você tem certeza que o que você está preste a fazer é exatamente o que espera-se que você faça nessas situações? Você tem certeza de que isso não é uma criação sua?
- Criação? E eu lá sou algum tipo de artista? – debochou.
- Você terá coragem de me matar mesmo sabendo que você pode estar apenas construindo tudo isso na sua cabecinha de jiló?
Silêncio.
- Nesse exato instante – ela continuou – eu posso estar muito bem sentada aqui do seu lado, nesse sofá, como estou agora, mas, ao invés de discutirmos a minha punição, podemos estar conversando sobre as sete maravilhas do mundo. Sete maravilhas deve ser escrito com iniciais maiúsculas?
- Não, eu acho que não.
- Ah, sim, obrigado. Bom, nós podemos muito bem estar agora tendo uma conversa muito cara aos casais da nossa idade, mas na verdade você pode estar ouvindo e criando e construindo coisas diferentes do que a realidade lhe diz. Você pode estar tendo percepções diferentes.
- Hunf, - debochou mais uma vez – e como você explica o fato de eu estar ouvindo isso de você, de você estar me explicando isso agora, se, na verdade, sou eu quem está criando tudo?
Silencio, porém disfarçado.
- Você pode estar começando a tomar consciência. Você pode estar começando a colocar os olhinhos na fresta da porta de vidro transparente.
- Hunf.
- Então, me diga, terá você coragem de executar-me, sendo que, depois de o fazer meu corpo será encontrado e os detetives não descobriram causa alguma para meu assassinato?
- Como não há causa alguma? Esqueceu-se do que você acabou de sonhar?
- Sim, mas isso é apenas uma criação sua.
- Não posso acreditar nisso apenas porque você alega que eu estou desenhando toda essa situação, isso tudo é muito real para mim. Você é quem está me enganando!
Ela fitou-o firmemente.
- E ainda mais - ele prosseguiu – se você é apenas uma criação minha eu posso muito bem lhe matar, assim como um pintor pode queimar um quadro que não lhe agrada!
- Tsc, tsc. Você não me entendeu. Eu não sou uma criação sua. Você está criando apenas essa situação, esses seus argumentos, as palavras que saem da minha boca, a fronha com a qual você pretende me matar... Nada disso está acontecendo de verdade! Abra los ojos, mon amour! Olhe para o céu que está sobre sua cabeça!
- E por que você acha que eu estou fazendo tudo isso?
- Não sei muito bem, mas posso imaginar que você sente inevitável vontade de me matar.
- Como eu poderia fazer isso? Eu te amo!
Ela percebera como é tênue essa linha que agora pairava na sua frente.
- Sim, você me ama.
- É, eu te amo! – disse ele jogando para longe a fronha suja.
O homem a abraçou firmemente e a beijou longamente. Ela permaneceu quieta, recebendo o carinho do amante. Quieta e séria.
Eles se entreolharam, ele sorriu e disse, se levantando do sofá.
- Vou fazer café!
- Enquanto isso eu vou dar uma volta nas sete maravilhas do mundo, tudo bem?
- Claro, meu amor, mas não demore muito.
A moça dirigiu-se até a porta. Saiu da casa.
Começou a andar pela calçada do seu quarteirão, recebendo na face a brisa gélida da manhã. Ela ainda estava com medo de ser pega. E foi no exato momento em que ela se lembrou do seu temor que ouviu as vozes e os passos de uma multidão correndo atrás de si:
“Peguem-na! Ela é a moça que sonhou que estava morta! Vamos todos puni-la!”