segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Metalinguagem

Começou. As pupilas caminhavam de uma extremidade à outra, como se ele lesse, no momento em que se deu por acordado. Envolto em três cobertores, e mesmo assim ainda com os pés para fora, ele sentia frio. Estava frio, chovia lá fora. Logo no dia em que Rorrim havia programado dar uma volta pela manhã e aproveitar o sol matinal. Ao abrir os olhos naquele instante, ele percebeu, pela luminosidade cinzenta que o seu quarto-sala vestira, que ele deveria mudar de planos.
Pôs-se de pé. Lavou o rosto na água gelada da torneira gelada. Vestiu o roupão de linho. Passou o café, encheu uma xícara grade. De certa forma ele achava que esses três elementos combinavam: o frio, o roupão de linho e o café. Se postos todos os três em uma única caixa iluminada cinzentamente, claro.
Por mais que apreciasse esse modo de vida preguiçoso, ele estava cansado. Queria sair um pouco de casa, sentia que não agüentaria nem mais um dia com a caneta na mão escrevendo corridamente durante horas. Rorrim estava escrevendo um conto interminável. Interminável não em extensão, mas em prazo de escrita e consumo de seu tempo, e também em outros elementos. Escrevia muito, e apagava e rabiscava mais ainda o que havia escrito. Aquela tarefa se tornara fadigosa. E agora, justamente no dia em que ele resolvera reservar para tomar um pouco de sol, a situação conspirara contra ele, forçando-o a debruçar-se mais uma vez nos escritos amontoados pelo chão de mogno da sala. Não havia saída. É claro que ele poderia fazer outra coisa ao invés de voltar a escrever naquele dia, mas, justamente no momento em que ele procurou algo que pudesse substituir tal atividade, sentiu um enorme remorso em abandonar os papéis e decidiu dedicar-se, por mais exausto que estivesse, a eles.
Deitou-se no chão, que também estava gelado, e apanhou as folhas: era assim que ele gostava de escrever. Decidiu não reler tudo o que havia escrito até então, ao todo três paginas. Recapitulou apenas as últimas linhas e pôs-se a escrever.
Não conseguiu escrever nada. Olhava para o teto, para as fendas no mogno do assoalho, para a xícara de café, agora já vazia, para o ar invisível, mas não conseguia extrair de nada faísca que pudesse impulsioná-lo a retomar o conto. Sentiu-se sem energia alguma e totalmente indisposto a escrever naquele momento e decidiu recorrer a uma antiga técnica de relaxamento que não praticava há tempos: visitar o porão.
Levantou-se, definitivamente, e foi ao porão. Desceu as escadas de madeira semi-podre, devido à umidade do local, e olhou a sua volta. Adorava porões. Dirigiu-se a um amontoado de caixas de papelão, as quais nunca havia reparado naquele recinto. “Devem ser do antigo dono da casa.” Abriu-as. Em seu interior, havia muitos livros, o que o deixou contente. Um deles era um que ele havia lido há muito, sobre uma personagem chamada Dorian. “Idiota, ele... Como nunca percebeu que aquele quadro de quadro não tinha nada, era simplesmente um espelho! Muito idiota...”, comentou.
Contudo, o que mais lhe chamou a atenção foi um ramalhete de papéis. Parecia ser um conto. Ao ler o título, encabulou-se: “Metalinguagem”, o mesmo do conto que estava escrevendo. Estranhou. Correu de volta a sala, jogou-se no chão, colocando ambos contos lado a lado.
Iniciou a leitura do conto (que apenas se diferenciavam pelas cores das páginas, mais amarelas e, as do outro, mais alvas). A história narrava os fatos de um escritor que, ao cansar-se de escrever um conto, dirige-se ao porão e encontra, acidentalmente, um conto com o mesmo título – Metalinguagem – do que escrevia. Estranho. O enredo parecia referir-se ao próprio conto. Ora, esse era o tema da história! Havia mais: o conto ainda relatava a comparação e o estranhamento do autor ao comparar as histórias, que faziam referências a si mesmas. Estranho!
Agora não sabia mais diferenciar os contos: não sabia mais qual era o seu, qual era o achado no porão. Eram idênticos. Na verdade, possuíam uma diferença básica: a cor. Não julgue Rorrim por daltônico e muito menos idiota por não saber diferenciá-los com base nesse critério. O fato é que ele simplesmente não sabia qual dos dois era o seu justamente, pois, em ambas as narrativas havia um trecho que dizia exatamente assim: “[...] que apenas se diferenciavam pelas cores das páginas, mais amarelas e, as do outro, mais alvas.”, o que impedia com que ele soubesse se o de paginas brancas ou amarelas era o seu por falta de um especificador de referencial!
Rorrim se sentia perdido e com mil flechas apontando em direção a ele. Os arcos eram brandidos por ele mesmo, como se estivesse em frente a um espelho, olhando para si mesmo, em um labirinto labiríntico que dava voltas e terminava no mesmo lugar. E ele leu esse trecho na versão de páginas amarelas e achou interessante a construção “labirinto labiríntico”, um jogo de vocábulos que contribui para a construção de uma figura linguagem criativa, já que a própria idéia de labirinto é evocada na expressão formada. E, essa idéia é ainda mais valorizada se trabalhada em um conto cujo intuito principal é fazer com que o leitor se sinta em um labirinto. Opa, essas últimas assertivas são problemáticas: elas rompem com gênero desse texto, ele deixa de ser um conto passa a ser uma análise. É melhor apagá-las. Ou não? Deixá-las-ei aí, não as apagarei...
“Deixá-las-ei aí”, disse Rorrim, ao ler a versão branca do conto.
“Deixá-las-ei aí”, disse Rorrim, ao se ler na versão amarela do conto.
(Preocupação com a colocação pronominal é algo tão erudito!) Riu ao ler esse trecho em alguma das duas versões, não sabia qual.
Seus joelhos doíam por estarem a muito tempo sendo pressionados contra o chão duro de mogno. Hoje ele sabia que havia sido um erro não haver colocado carpetes macios por todo o chão da sala, se houvesse feito isso, seus joelhos não estariam doendo naquele momento. “Ao ler essa passagem de uma das duas versões, ele reparou que a palavra ‘erro’ havia sido escrita com a grafia errada e resolveu corrigir. Fez isso em ambas as versões. Odiava erros ortográficos”.
Rorrim decidiu fazer algo que não estivesse na narrativa. Queria dar uma de espertinho, de romper com a metalinguagem. Mas o que poderia fazer para conseguir isso? “pensou.” Já sei: vou tentar romper com a metalinguagem! Duvido que isso esteja narrado aí! “... Será?”, levou o dedinho à boca.
Seu próprio ato já fornecia respostas para sua dúvida. Às vezes, escrever é vigiar.
E, lembrando-se da definição tosca do gênero literário “Conto” que uma professorinha de primário ensinou-lhe (uma narrativa curta e blá, blá...), pegou a versão amarela e leu o seguinte trecho: “E, lembrando-se da definição tosca do gênero literário “Conto” que uma professorinha de primário ensinou-lhe (uma narrativa curta e blá, blá...), pegou a versão amarela e leu o seguinte trecho...”
De olhos arregalados, ele atirou o conto amarelo ao chão, assustado.
“Rorrim percebeu, ao ler esse exato trecho nessa versão branca do conto, que todos os fatos narrados aqui refletiam simplesmente os fatos que estavam se passando em seu dia! Desde o momento em que acordara! Ele era o personagem daqueles enredos que lia e que escrevia.”
Enraivou-se e rasgou todas as folhas que estavam a sua frente. Não havia mais contos agora. No entanto, por que essa metalinguagem alucinante continuava e continuou?
Na verdade, ainda existia uma versão do conto recontando a um leitor escritor, ou a um escritor leitor, os fatos renarrados da narrativa. Não é? É. E é por isso que o conto que Rorrim escreve é interminável.

sábado, 29 de dezembro de 2007

Mergulhando

-Nossa, mas você vai comprar um peixinho de estimação? Mas eles morrem tão facilmente!
-Eu também.
Silêncio gelado. Grilos ao fundo, olhos ao chão.

Calvinando

"Começou a fazer um diário: fotográfico, claro. Com a máquina pendurada no pescoço, afundado numa poltona, disparava conpulsivamente com o olhar no vazio. Fotografava a ausência de Bice."
Gli Amori Dificili, Italo Calvino, pag.62.
Italo Calvino me deixou com uma incrível vontade de tentar dormir em um compartimento de vagão de trem durante uma viagem que dure uma noite. Ai, como ele é foda.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Saraivando

Querido dsiário, [adoro curtir com gêneros literários! haha!]

Comprei dois livros importantes hoje, por puro impulso. Um deles eu já estava namorando a muito tempo, o outro, foi paixão a primeira vista ao vê-lo naquela prateleira de madeira, quietinho, sorrindo para mim, em meio a todo aquele clima de ar-condicionado da livraria.
O primeiro, um curso de Italiano, passo a passo. Interessante, decidi hoje que vou ser autodidata para algumas coisas. No caso de aprender Italiano, decorre da conclusão de que eu não vou perder meu tempo frequêntando aulas de uma língua que não é essencial e muito menos tão importante quanto outras na minha vida. É puro hobby, e uma paixão que vem desde Cabíria e seu "Io no voglio vivere più!".
O outro é o tipo de livro que se compra por ostentação, para se ter na sua biblioteca particular: um volume único com as obras completas dos Irmãos Grimm, traduzido para o Inglês numa versão de 1869 (uma tradução anônima, o que é ainda mais emocionante, hihi!). Ah!, o melhor: por apenas 14 reais.
Eu cometi a piada de pedir para embrulhar para prensente, como se as atendentes estivessem bem desocupadas e disponibilíssimas para realizar tais caprichos de uma pessoa em um momento tosco. Mas eu quis para presente! Quis me dar os livros. Pronto.
- Aqui está, Felipinho, uma lembrancinha, meu querido!
-Oh! - cara de espanto -, mas que honra!

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Aviso

"Gentse, como assim vocês ainda não perceberam que a nova música da Britney, Gimme More, é sobre drogas???"

Ruta no Ra


Almoçar no RU às vezes tem enormes vantagens, mesmo quando o cardápio não é estrogonofe de soja ou hamburger de frango. Dessa vez eu comi sozinho. Solito, como diria minha mãe. Do meu se sentaram dois sujeitos daqueles que você não consegue supor, por mais conectado que você seja aos esteriótipos universitários, qual curso faziam. Um deles tinha um semblante lento, o outro, rápido por demais.


-Pois é cara, é muito interessante esse lance de origem das palavras né? De línguas e tal... - esse é o lento.

-Nossa, muito mesmo. - o rápido.

-Eu tenho um amigo meu que é croata, imagina só a língua dele!

-Nossa... Você sabe, né? Tipo, a origem dos nomes desses países da lá, né? Tipo, vem de slave, que significa escravo em inglês.

-É mesmo?

-É. Slave significa escravo, e foi por isso que os países de lá mudaram de nome. Tipo, Eslovenia, Eslováquia, todos daquela região lá - aí ele começou e não parou mais - pois é, e tipo, é muito interessante essa questão por que você pode perceber a história desses processos. Era uma vergonha pra esses países terem um nome que derivasse de uma palavra que significa escravo em outra língua. Por isso eles mudaram. Mas tudo isso ocorreu porque os europeus eram tão preconceituosos que nem negros eles escrevisavam naquela época, então eles escravizaram esses povos do centro da europa, a Croácia, Elovênia, Eslováquia e tal...


Juro que é tudo veradade! Quase não consegui degustar meu incrível pedaço de alcatra asada por causa dessa incrível análise! Que medo! Já sei de onde vou retirar o tema para o meu Projeto de Iniciação Científica: "Uma Análise Linguístico-Causal para uma nova historiografia das Relações Internacionais", ou então, "As Línguas Anglo-saxãs como a base para todo o constrangimento Internacional". Incrível, o cara era um gênio!


Esse epsódio me fez lembrar o quanto eu odeio pessoas que presumem um conhecimento de mundo incrivelmente maior do que possuem. Que arrogância. E ignorância, por que julgam que o interlocutor var acreditar em tudo o que ele despeja língua à fora. Acho triste. Acho divertidíssimo.


[Gente, que horror. Ao terminar esse post, fui pesquisar um pouco sobre a Croácia e descobri que ela não tem um Lema! Tá na wikipédia! Credo, como deve ser triste para eles! Não ter um lema...]