quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

Tecidos do Amor


O casal estava deitado. Deitado em uma cama muito bem acolchoada e fofa. Sorriam por trás de suas taças de vinho vermelho. Vinho, vermelho. Ambos seminus, tinham como assunto o próprio relacionamento.
-Eu te amo.
-Eu também te amo.
-Que bom.
A Outra riu belamente. Ela realmente era inteiramente bela. Desde seus lábios de mel até sua pele de pêssego. O ar do local carregava um odor extremamente agradável e sutil: uma combinação de jasmim com ervas indianas. A iluminação do local também favorecia a cena romântica: as cortinas coloriam a pouca luz que adentrava no recinto de vermelho e os abajures davam um tom rosado às paredes.
O Outro também tinha sua beleza. E era um modo de ser belo muito tradicional, jovem, um porte masculino, uma pose de protetor, uma voz de galanteador. Era com ele que elas sonhavam, era para ele que elas suspiravam. Todos os cavalos queriam ter como domador aquele homem.
-Ó, não compreendo como pude sobreviver até o dia de hoje sem ter te conhecido antes!
-Posso também dizer que você é, sem sombra alguma de dúvida, minha alma gêmea, meu coração que me falta.
-Você vai morar no meu coração para todo o sempre.
E se beijaram e se abraçaram. A Outra estendeu levemente seu braço e puxou para perto de si uma bela caixa de chocolates. Deliciou-se com os doces e levou alguns à boca do homem. Que delícia!
Então, o Outro sorriu mais uma vez para ela, e pediu que ela aguardasse por um instante. Ele se levantou da cama, deixando a taça de vinho vermelho sobre o criado mudo de mogno muito bem lustrado. Em pé, ele colocou a mão no bolso do robe de seda azul e de lá tirou uma pequena caixinha de veludo, quadrada. A Outra sorriu deliciosamente quando viu o objeto nas mãos do homem. Ela estava muito feliz com o momento, afinal era exatamente como ela havia sempre sonhado: era o local certo com a pessoa adequada. Que maravilha!
E foi aí que o homem abriu a caixinha de veludo e a moça pôde ver que lá havia algo com o qual ela sempre sonhara. Sim, sim. Foi aí que ela viu que lá dentro havia um fiapo de cabelo sujo.
Ela vibrou em êxtase. Êxtase total. Ergueu-se da cama e tomou das mãos do homem o fiapo de cabelo. Com um frasco de cola superbonder, que estava sobre o criado mudo ao lado da taça de vinho do homem, ela colou o fiapo na narina esquerda e gargalhou:
-Me diga como fiquei.
O Outro riu.
Então, foi aí que ele começou a dançar um sapateado irlandês sorrindo demasiadamente, até rasgar as bochechas.
-Ah, me cansei. – disse ele com um olhar de desanimo.
Enquanto ele começava a vestir sua roupa de couro vermelho, ela se dirigiu à janela do quarto. Debruçou-se no parapeito e passou a observar. No hotel à frente, viu em uma janela uma pessoa nua, parada em frente à janela, como se olhasse para algum ponto distante. Essa pessoa segurava uma almofada de tecido crepe em frente cara. E não passou disso, foi só isso o que ela viu pela janela.
-Estou indo embora, se você ainda não percebeu. – disse o Outro calçando sua bota de camurça.
-Tudo bem.
-Sua ridícula! Como tem coragem de me deixar ir assim, sua vadia! Eu não significo nada pra você mesmo, né, filha da puta!
-Você se esquece que é apenas a outra, apenas a outra pessoa. E digo outra com letra minúscula.
-Hunf...
-Por que na vida é assim mesmo, meu bem. Ou você é, ou você é a outra, ou o outro.
-Eu não entendo como pode ser assim. Realmente não entendo.
-Lembra daquele lápis que eu te dei de aniversário, pois é, eu o tinha achado na rua, e inventei aquela história mágica para te encantar, pra te fazer feliz.
“História Mágica:
Era uma vez um rei muito rico em seu castelo mágico, num país muito distante e mágico, com seus parentes mágicos e com suas roupas mágicas. Um dia ele percebeu que sentia necessidade de fazer duas coisas: escrever contos mágicos e matar uma pessoa. Foi aí que ele pediu ao encarregado de suprir todas as necessidades do rei, por que todas elas devem ser supridas, um lápis. Então, ele tirou da sua gaveta favorita um rifle 147, colocou o lápis no interior do cano da arma e mandou chamar sua mãe. Quando ela chegou ao recinto, ele disse ‘Mamãe, me traga um copo d’água, por favor’, ‘Sim, filho querido’. Então ele mirou pela janela e atirou com o rifle 147. e foi aí que o lápis foi cair no meio da rua, no exato momento em que uma bela moça passava por lá. E eles viveram felizes para sempre. Fim.”
Então ele começou a chorar, intensamente. O leitor sabe muito bem o que está passando na cabecinha dessa personagem.
-É isso o que você é, meu bem, apenas uma outra pessoa que vai se perder no tempo, que vai se diluir num frasco de vinagre, que vai derreter no deserto sozinho!
O Outro, e agora fazendo jus ao nome, ficou calado e sério. Muito sério, ponderando sobre suas próprias ações. Depois de uns minutos, os quais a Outra ficou a fitar-lhe, ele disse:
-Sabe, eu acho que hoje fiz a melhor coisa da minha vida.
-Ah, lá vem bobagem.
-É, porque hoje eu envenenei os chocolates que acabamos de comer.
A Outra arregalou os olhos como já era de se esperar, gritou de medo puro, como já era de se esperar, e começou a se contorcer, sob o efeito do chocolate, como já era de se esperar. E logo ele também começou a se contorcer, e logo ambos já estavam se contorcendo no chão com as mãos segurando os próprios pescoços que pareciam querer pular para fora dos corpos.
E lá estavam eles, doendo e agonizando. E foi aí que as bocas se uniram e eles derem um ultimo beijo, de leve, bonito.
E foi aí que eles morreram felizes para sempre.

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