sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Rouanet

"Ai, não, meu, a pessoa tem que ter um mínimo, né?"
Lyanna Carvalho, em Uma Mesa de Bar.

"É verdade que existe ainda uma possibilidade de hierarquizar culturas, desde que se adotem critérios de eficiência interna, e não critérios qualitativos. Por essa via, a "civilização" pode reentrar em cena. Por exemplo, podemos dizer que uma sociedade com maior coeficiente de urbanização, ou organizada segundo uma divisão de trabalho mas eficaz e mais diferenciada que as outras, mais complexa - mais civilizada, se se quiser. Mas mesmo nesse caso, não se trata de avaliação, e sim de decrição - a presença ou não de núcleos urbanos é um fato mensurável, numa esfera que não exige do cientista social qualquer tomada de posição com relação ao mundo das normas e valores."
Rouanet, em Mal-estar na Modernidade, p.44.

Como comparar eficiência interna das sociedades minuciosamente, considerando que as instituições de uma sociedade são inseparáveis de seu contexto e inconparáveis a fim de se codificar uma hierarquia?
Considero muito problemática a concepção de Rouanet acerca de barbárie. Na obra, o autor reconhece que tem um conhecimento muito reduzido da disciplina antropológica, e, realmente, na minha opinião, esse fato se trasforma em um grave problema que afeta a sua tese central.
Basicamente, para ele, barbárie é tudo o que foge do racional (invocando preceitos iluministas para isso). Dessa forma, ele considera irracional qualquer ato que cause estranhamento e repúdio aos olhos de cultura ocidental, não escapando dessa análise nem mesmo os atos da própria cultura ocidental.
O equívoco centra-se sobre o uso do termo irracional. Ao colocá-lo em cena, Rouanet despresa totalmente - por mais que reconheça a importância de sua existência - um dos pilares do relativismo cultural: o "paradigma antropológico" (?) que afirma que cada cultura possui uma lógica interiror própria, e que nenhuma expressão cultural é irracional ao ponto de vista dela mesma. Nesse sentido, o autor decorre de um erro de nível argumentativo, ao universalizar o uso do termo irracional. Esse erro, afirmo, é corrigido, ao meu ver, pela percepção Iluminista do homem que ele constrói durante a obra.
Enfim, leitura fantástica, clara e borbulhante. Porém ele falha ao impetrar a sua tese central, deixando-a demasiada solta.

14 comentários:

Lyanna Carvalho disse...

Eu preciso MESMO ler isso.

beta(m)xreis disse...

olha, acredite se quiser, mas acho separável. bastante separável aliás. na aula de antropologia a gente aprende que não pode comparar o arco com o revólver. porque não? vá e use só o critério da eficiência da arma e seja feliz. usando "civilização" nesse sentido, não vejo nenhum problema de fazer o que o rouanet faz. nem de fazer uma ode à civilização. aliás, vou escrever uma. rs

Felipe Baptista disse...

Eu entendo o seu comentário e concordo.
Contudo, encontro dois problemas no texto do Rouanet:
1) a forma como ele desenvolve a argumentação sobre o hierarquizar as culturas não passa sobre o que você citou no seu comentário, que é uma ótica que eu acho bastanta válida.
2) ele não apenas tenta criar uma hierarquia, ele deprecia culturas ao propor o termo barbárie.

beta(m)xreis disse...

se evocarmos razão no sentido que os iluministas dão, não há problema em chamar o resto de bárbarie, apesar do termo me incomodar.

é claro que toda cultura tem sua lógica interna mas daí a dizer que todo ato dentro de uma cultura é racional é um exagero. nem na deles, nem na nossa, nem que a rouanet consideraria a mais linda e cut cut.

ou seja, discordo praticamente totalmente de vc, pi.

beta(m)xreis disse...

1) me ative ao ponto em que ele fala em comparar coeficientes de urbanização no trecho que vc postou. talvez eu tenha entedido mal, sei lá.

2) como te disse, vi problema no uso do termo. mas não em colocar algo como """""superior""""" de um ponto de vista ou outro.

Felipe Baptista disse...

"se evocarmos razão no sentido que os iluministas dão, não há problema em chamar o resto de bárbarie, apesar do termo me incomodar." - sim, concordo. eu reclamei no post justamente do uso do termo. se você achou que minha reclamação estava voltada a análise iluminista de rouanet, não entendeu direito o que o texto disse.

2) é claro que toda cultura tem sua lógica interna mas daí a dizer que todo ato dentro de uma cultura é racional é um exagero. nem na deles, nem na nossa, nem que a rouanet consideraria a mais linda e cut cut. - quando eu disse da questão das culturas serem racionais, eu não quis dizer, de maneira alguma que elas são conscientes, o que parece que você achou que eu tinha dito, pela crítica.

Felipe Baptista disse...

se você nao vê problema em colocar como superior, porque usou tantas aspas?
rsrsrs
pi, travesso.

beta(m)xreis disse...

qual o problema de separar do contexto se vc quer analizar apenas sua eficiência de um ponto de vista ou outro? do tipo: qual mata melhor? a resposta é óbvia. claro que um tem um significado, o outro tem um diferente, mas e daí?

Felipe Baptista disse...

Retificando o que eu acabei de dizer.
Não acho que o modo como você propôs uma comparação, Beto, entre o Arco e a Arma seja válido.
ao utilizar o critério da eficiencia,
1) dessa forma separa-se o fato/artefato de seu contexto.
2) despreza-se totalmente todos os outros critérios que seriam muito relevantes à contabilização do que significa o Arco ou a Arma, incorrendo de uma limitação muito ingênua.

Felipe Baptista disse...

qual o problema de separar do contexto se vc quer analizar apenas sua eficiência de um ponto de vista ou outro? do tipo: qual mata melhor? a resposta é óbvia. claro que um tem um significado, o outro tem um diferente, mas e daí?

não tem problema nenhum. só que isso não será antropologia, muito menos nenhuma ciencia social. sera um estudo sobre tecnologia puro e simples e idiota.

beta(m)xreis disse...

na não, será um estudo comparativo entre duas civilizações usando algum referencial colocando uma como "superior" à outra. rs.
e sim, do meu ponto de vista de investigação social, isso não se encaixa.
mas sei lá, tanta gente faz isso. é o que o gusmão chama de "sermão intelectual travestido de investigação social". fala inclusive que o foucault faz isso muito. mas o gusmão gosta de rouanet, pelo que sei. ou seja, difícil saber o que ele diria sobre isso... rsrs

mas vc disse que o rouanet falha. vc escreveu no seu post. é aí que eu discordo. pelo que vc escreveu acho que ele faz bem o que se propõe.

Felipe Baptista disse...

Você leu Rouanet?
rsrs

Felipe Baptista disse...

aquele apelão, hahaha
Então, tá. Quando você descobrir qual a opinião do Gusmão, a gente volta a discutir pra você poder defendê-lo, ok?
rsrsrsrs
pi, travesso 2.

beta(m)xreis disse...

ok, não comento mais. rs