terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

O Malabarista

Nota: censurado.

Sobre os acontecimentos dos últimos dias (ou anos?)

Era uma vez um grupo de amigos que resolver dar início a uma discussão, invocando um assunto precioso, e, então, nunca mais pararam de falar sobre.

Que medo.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Da Farmácia Metalingüística

Ou "Mil variações da mesma situação" (estou me sentindo o Gus Van Sant hoje, haha!)

A cleptomaníaca vai à farmácia:
- Tem remédio pra cleptomania?
- Temos sim. Aqui está.
- Quanto é?
- Vinte e do... uai, onde ela se meteu?
.
.
Um homem com amnésia vai à farmácia:
- Tem remédio pra amnésia?
- Temos sim.
- Temos sim, o quê, meu filho???
.
.
A mulher com síndrome de Tourette vai à farmácia:
- Tem remédio para a síndrome de Tourette?
- Não.
- Porra!
.
.
O homem com TOC vai à farmácia:
- Tem remédio pra TOC?
- Não.
- Tem remedio pra TOC?
.
.
Uma mulher com distúrbio de ansiedade vai à farmácia:
- Temremédiopradistúrbiodeansiedade?
- Vou dar uma olhad...
- Anda logo!

.
.
Um homem com distúrbio de personalidade vai à farmácia:
- Tem remédio pra disturbio de personalidade?
- Temo...
- Temos sim, vai querer levar quantos, doutor?

Morangos Mais Maduros?



Pois é. Sabe, eu não acho mais que exista uma dicotomia clara entre decidir o que ser e descobrir o que ser. Pelo pouco conecimento que tenho de psicologia da personalidade, penso que o processo de formação da personalidade não é construido de apenas um desses dois elementos. Eu retiro a antes usada palavra versus.
Ao mesmo tempo em que tentamos nos descobrir como somos (que tom de igreja-que-quer-salvar-todos-os-fiés-da-falta-de-auto-conhecimento! blé!), tirando o lençóis que combrem nossa personalidade, damos espaço a uma busca, uma busta que tenta identificar o que melhor funciona conosco, o que mais se adapta - por mil motivos, que sejam, tato, gosto, aptidão, sensibilidade, facilidade. É também, uma questão puramente adaptativa.
(Queria muito exemplificar, para, assim, esclarecer com mais propriedade o que estou tentando dizer, mas não tenho coragem de me expor tanto assim.)
Olha, eu não discordo totalmente do que eu disse no outro post. Eu realmente identifiquei que antes eu percebia a minha formação da personalidade como um lance de decidir o que sou, e que, depois de um tempo, a coisa mudou, e eu passei a tentar enxergar o que sou.
Agora, penso que isso é tudo tolice. Não é uma questão de uma coisa ou outra, isso é muito obvio e eu não havia percebido antes.

Para minha amiga Austen

para a Lyanna, mais uma vez.

"É uma verdade universalmente conhecida que um homem solteiro, possuidor de uma boa fortuna, deve estar necessitando de esposa."
Jane Austen, em Orgulho e Preconceito.


Puff, Jane tolinha....

.

Aí, depois de alguns segundos, o Beto vira e fala: "Gzente, mas é claro que não existem verdades universais!!! É tudo relativo!!!"

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Cotsidsiano

- Você tá de fone de ouvido?
- Não. Tô recarregando meu cérebro.
.
***
.
Eu sozinho, sentado em um banquinho num balcão de uma lanchonete no centro. Reenfase: sozinho. Um cara chega com um uniforme que eu creio ser de porteiro, senta-se do meu lado, e pergunta, olhando diretamente nos meus olhos:
- Você gostaria de ser um judeu em meio à Segunda Guerra?
- Hã?
- Ou melhor: você gostaria de ser um judeu que sobrevivesse em meio a Segunda Guerra mas que tivesse toda a família morta pelos nazistas? - franziu o cenho interrogativamente.
- Sim, gostaria.
Dois segundos depois, revidei:
- Chotifazer uma pergunta: você acredita em universos paralelos?
.
***
.
Pensamento lógico. No meio da rua. Passos largos. Muitos gestos. Fala alta. Dois amigos.
- Nóshça, você ainda se lembra de como a vit D é produzida? Faz tanto tempo que você estuou isso!
- Claro que eu me lembro! Ela é ingerida na forma de esgos-jnjgvoegirsap-terol e vira a vit D na pele, ao ser sintetizada pelos raios solares!
- Isso mesmo!
- E quem não tem pele? O que ocorre?
- A-há, acho que você nunca viu alguém sem pele!
- E um leproso???
- Ah, é mesmo...
- Ah, é por isso que a lepra mata: ela acaba com a pele da pessoa, ai ela não consegue produzir mais vit D, por isso que ela morre!!!
- É mesmo! Nóshça, a gente sabe lidar muito bem com a Lógica Médica! Háhá!

Rouanet

"Ai, não, meu, a pessoa tem que ter um mínimo, né?"
Lyanna Carvalho, em Uma Mesa de Bar.

"É verdade que existe ainda uma possibilidade de hierarquizar culturas, desde que se adotem critérios de eficiência interna, e não critérios qualitativos. Por essa via, a "civilização" pode reentrar em cena. Por exemplo, podemos dizer que uma sociedade com maior coeficiente de urbanização, ou organizada segundo uma divisão de trabalho mas eficaz e mais diferenciada que as outras, mais complexa - mais civilizada, se se quiser. Mas mesmo nesse caso, não se trata de avaliação, e sim de decrição - a presença ou não de núcleos urbanos é um fato mensurável, numa esfera que não exige do cientista social qualquer tomada de posição com relação ao mundo das normas e valores."
Rouanet, em Mal-estar na Modernidade, p.44.

Como comparar eficiência interna das sociedades minuciosamente, considerando que as instituições de uma sociedade são inseparáveis de seu contexto e inconparáveis a fim de se codificar uma hierarquia?
Considero muito problemática a concepção de Rouanet acerca de barbárie. Na obra, o autor reconhece que tem um conhecimento muito reduzido da disciplina antropológica, e, realmente, na minha opinião, esse fato se trasforma em um grave problema que afeta a sua tese central.
Basicamente, para ele, barbárie é tudo o que foge do racional (invocando preceitos iluministas para isso). Dessa forma, ele considera irracional qualquer ato que cause estranhamento e repúdio aos olhos de cultura ocidental, não escapando dessa análise nem mesmo os atos da própria cultura ocidental.
O equívoco centra-se sobre o uso do termo irracional. Ao colocá-lo em cena, Rouanet despresa totalmente - por mais que reconheça a importância de sua existência - um dos pilares do relativismo cultural: o "paradigma antropológico" (?) que afirma que cada cultura possui uma lógica interiror própria, e que nenhuma expressão cultural é irracional ao ponto de vista dela mesma. Nesse sentido, o autor decorre de um erro de nível argumentativo, ao universalizar o uso do termo irracional. Esse erro, afirmo, é corrigido, ao meu ver, pela percepção Iluminista do homem que ele constrói durante a obra.
Enfim, leitura fantástica, clara e borbulhante. Porém ele falha ao impetrar a sua tese central, deixando-a demasiada solta.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Livros e Promessas

"Acho que no começo fumava muito, pelo menos o quarto está cheio de cinzas, de pontas de cigarros, já que não existem cinzeiros, e é impossível abrir a janela, você está me ouvindo?"
Caio Fernando Abreu, em Luz e Sombra.
..
..
Poderia ser uma página de um livro de uma vida:
...
"E, então, a pertir daquele dia os amigos dele perceberam que, aquela pormessa que ele havia feito, não muito distante, ainda ressonaria por muitos e muitos tempos, uma reiteração infinita que conseguia carregar um certo peso de muitas memórias, e uma certa leveza, por beleza própria. O Cigarro nos bolsos, o Cigarro nos dedos, o Cigarro em poses blasés e bleas. Vagarosamente. Vagarosamente os amigos iam percebendo que ele sempre reclamaria de tal promessa, que ele nunca iria contra."

Morangos Maduros?

Andei pensando em como o impasse decidir o que vou ser versus descobrir o que sou sempre recebeu um espaço considerável na minha adolescência. É curioso como, às vezes, quando mais novo, eu encarava o processo de formação da minha personalidade como escolhas a serem tomadas quanto às minhas posturas. Decidir como me portar, que temperamento ter, como me mostrar ao mundo, de uma maneira inocente e cuidadosa...
Hoje percebi que esse empasse se esvaneceu, foi pro ar. Não me divido mais entre o decidir e o descobrir. É como se eu estivesse me aventurando numa estrada de tijolinhos amarelos e lendo as palavras escritas sobre esses que passam sob meus passos, ainda incertos.

Por que escrevo?

"I dream for living"
Steven Speilberg
.
ao querido Cazarim
.
Por quê? Tento inumerar os inúmeros motivos mas nunca obtenho um sucesso considerável - porque sucesso completo em enumerações é algo próximo do impossível. Desta vez, tentei abandonar a ordem e importância, e apenas listei os motivos. Acho que consegui alguma lista interessante.
.
1 - Para mentir. Ou para canalizar toda a mentira que eu não posso-devo-consigo realizar na vida.
.
2 - Para ter poder "absoluto" (mil aspas nessa expressão) sobre o que crio. Ou para simplesmente brincar com o poder de ter poder sobre algo.
.
3 - Para suprir necessidades cinematográficas inteiramente frustradas. Ou para tentar traduzir à uma folha em branco o que eu não consigo colocar em uma tela em branco.
.
4 - Para afetar pessoas. Ou para lidar com sentimentos e emoções.
.
5 - Para me expor de forma tácita e sutil. Ou para ser eu mesmo.

O Montinho de Palavras Amontoadas

E lá estavamos, todos num montinho alucinantemente alucinado, gritos, poeira, vento, roupas torcidas, membros torcidos, expressões de dor, reclamações amassadas, semblantes espremidos. Todos juntos.
......
Não, gente, acho melhor a gente parar com isso, essas brincadeiras sempre acabam em problema, sempre, vocês não se lembram da Carol?, pois é, foi desse jeito, é, tipo, foi tipo assim, tava todo mundo junto que nem agora, desse jeito, toda essa baderna num montinho alucinantemente alucinado, gritos, poeira, vento, roupas torcidas, membros torcidos, expressões de dor, reclamações amassadas, semblantes espremidos, todos juntos, e ela, ai, ela estava, ai sai daqui!, ela estava no meio, nem no chão e nem no topo, que saco me larga, no meio do montinho entre duas pessoas, ai ta machucando!, acho que era entre a Tati e você, né, Dora?, que merda! ta doendo!, né, Dora?, pois é, aí, de repente a Carol dá um berro muito forte, ai, tipo daqueles de filme de terror, saca?, ai, porra! larga minha perna!, tipo de terror, saca?, todo mundo se lavanta, e ela chorando de dor, com o antebraço esquerdo quebrado!, ai, sai de cima!, quebrado!, dá pra imaginar o nosso pavor!, e ela não estava apenas chorando, estava, sai de cima da minha perna! ai!, estava com raiva, saiu correndo, aiaiai, saiu correndo xingando todo mundo, falando que, ai, porra!, minha perna ta espremida!, falando que éramos todos irresponsáveis e que iamos pagar caro pelo que fizemos com ela!, que cliché!, pagar caro pelo que fizemos, haha, aiai! meu pé ta dobrado,! sai daí!, e isso tudo ocorreu em julho do ano passado, 2007, saca?, é porque se hoje é 2008, julho do ano, aiai! ta machucando! vou te empurrar!, do ano passado só pode ser de, ai, merda!, ser de 2007!, né? ai, você quer apanhar?, eu sei que foi tudo muito punk, ai, ela nunca mais falou com nenhum de nós, odeia muito as meninas, muito punk, ai, minha barriga! sai de cima dela!, agora!

Irritações de Professor

Como eu odeio professores que ao entrarem na sala dizem "Bom dia!" e o grupo responde, não entusiasticamente, um outro "Bom dia", e, não satisfeito, o "mestre" faz uma expressão falso-irritante desapontamento, e itera "Ah não, que desanimados, vocês! Vamos de novo, bom diaaaa!..."
Será que nenhum professor que tem essa prática consegue perceber que esse é o método de incentivo mais ridículo e batido ever? Blé!
.
***
.
No curso teórico pra autoescola - que aliás nem foi tão ruim assim, como todos dizem - no segundo dia eu acabei por entrar na sala errada, no começo da aula, às incríveis 7:15 (me senti no ensino médio). O fato é que, depois de a chamada ter sido feita pela professora, eu me dei conta de que realmente estava na sala errada - como se apenas a disposição geográfica da mesma não bastasse - e me dirigi à minha real sala. Ao entrar, com dez minutos de atraso devido ao tempo perdido na sala-equívoco, encontro um professor novo. Ele se vira para mim e diz, irritantemente "Boa tarde, senhor!", e eu, de olhos virados, em pé diante de toda a turma, respondo "Boa tarde não! Boa noite, senhor".
.
***
.
Realmente, esse professor foi o campeão. Expressão explicita do senso comum com cores de convicção total e credibilidade inabalável, uma mistura explosiva porém extremamente cativante aos meus colegas de turma. Esempi (todas os dizeres, por assim dizer, acompanhaos de um semblante irritantemente profético e de dono-da-verdade-inabalável que odeio):
"A amazônia é o pulmão do mundo!" - E eu sou o fígado da minha casa.
"O problema da agua no mundo vai ser um problema mundial!" - Ah! Numbrinca!
"Nós temos dois tipo de poder [que medo do que vem pela frente!] : o poder da constituição [e aí ele ergueu um exemplarzinho da mesma para a turma ver], e o poder de compra!" - Assim como temos dois tipo de água: a potável e a de tomar banho!
.
***
.
Está explicado o meu mau-humor de ontem.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

A Psicologia da Personalidade em Persona, um filme de Ingmar Bergman



"I write scripts to serve as skeletons awaiting the flesh and sinew of images."
Ingmar Bergman



Densamente simbolista e psicológico, é como podemos descrever o trigésimo terceiro filme do diretor sueco Ingmar Bergman. Com uma cinematografia rica e maestria experimental, o roteiro do próprio diretor ganha a vida em um complexo enredo muito introspectivo e peculiar.
Ernst Ingmar Bergman nasceu em Uppsala, na Suécia, em 1918. Cresceu rodeado por um ambiente religioso e por uma educação rígida sintetizada pelo estrito código ético de seu pai, que era um pastor Luterano. Esses elementos, mais tarde viriam a influenciar fortemente em sua produção artística, fazendo desta um bom reflexo de sua personalidade, ou da construção da mesma; como por exemplo ocorre em Fanny e Alexander, de 1982, considerado o filme-testamento do diretor, que conta com traços da história de sua infância.
Primeiramente, Bergman estudou Literatura e Arte, em Estocolmo. Não completando esse curso, voltou sua atenção ao Teatro – campo em que trabalhou escrevendo roteiros e dirigindo atores -, e, só posteriormente, ao Cinema.
Os filmes de Bergman são marcados pela complexidade. Complexidade que se mostra de várias formas: tanto no desenvolvimento do enredo, abordando temas profundos e de forte apelo emocional, quanto à própria construção cinematográfica, que por não apresentar uma linha de raciocínio necessariamente lógica ou temporal, consegue confundir facilmente os olhos de expectadores mais destreinados.
Mesmo não tendo conseguido estabelecer em seu país uma tradição cinematográfica forte, Ingmar Bergman é um artista de peso mundial, com contribuições fantásticas para o Cinema Clássico.
É importante falarmos sobre algumas outras obras desse diretor para nos situarmos em sua produção cinematográfica, compreendendo seu estilo e conhecendo os temas que ele usualmente trata, e posteriormente podermos analisar Persona com mais propriedade.
O Sétimo Selo foi realizado em 1957 (e indicado ao Golden Palm, no mesmo ano) e é um marco na história do cinema pois trata de uma tema extremamente metafísico e humano, ao mesmo tempo: um diálogo com a morte. Com uma estética neo-expressionista – principalmente pela sua composição imagética escurecida – o se passa nos tempos medievais (elemento também presente em outros filmes do diretor, como por exemplo Noites de Circo) e tem como enredo a rapsódia de um homem em conflito, que encontra a morte, que o convida para um jogo de xadrez. Todo o filme é cunhado por um incrível peso existencialista e por uma interessantíssima densidade psicológica. Juntamente com Persona, Fanny e Alexander e Gritos e Sussurros, O Sétimo Selo é considerado uma das melhores produções de Bergman.
Outro filme que conta com uma boa dose de psicologismo é O Rosto, de 1958. Dessa vez, Bergman aborda o sobrenatural, tecendo uma teia com a arte, a cresça e o indivíduo, levantando perguntas ao expectador, como por exemplo um questionamento acerca dos limites da razão humana, ou da cresça humana nessa razão. Tudo isso é tratado com um enredo que conta a história de um mágico que chega com sua trupe à mansão de um homem, e lá, passa a iludi-lo. A trama do filme também trabalha com a idéia da nossa verdadeira face, da nossa verdade interior, aquela que escondemos sob máscaras, criando situações riquíssimas e de alto valor para a análise psicológica, com os personagens.
Um filme muito recente de Bergman que foi aclamado pela crítica é Gritos e Sussurros, de 1972, ano em que foi indicado à três Oscar, incluindo melhor diretor, melhor filme melhor roteiro. Dessa vez já com a película colorida, o diretor conta a história de irmãs de uma família nobre que têm suas vidas despedaçadas pelo sofrimento, trazido pela descomunicação entre elas, pela doença terminal de uma delas, e pelo opressivo ambiente formal em que vivem. Com toda cenografia criada em tons de vermelho-sangue, esse filme, consegue transmitir a dor daquelas personagens, a dor de desejos não satisfeitos, de pulsões não eliminadas, de vontades que não podem ser realizadas, mas sim oprimidas. Dor e opressão, ou melhor, gritos e sussurros.


Persona situa-se em uma confluência de significados, entre os quais se encontram a metalinguagem, a arte como representação, a noção de realidade, a individualidade. Contudo, acima de todos esses temas, a discussão acerca da psique humana domina o filme do começo ao fim.
Bibi Andersson e Liv Ullmann, as atrizes preferidas de Ingmar Bergman, interpretam, respectivamente, Alma e Elizabeth Vogler. Elizabeth é uma atriz que surta durante a representação de Electra, e, a partir de então, se coloca em um estado de mudez absoluta. Ela é levada à uma clínica psiquiátrica para permanecer internada, onde conhece Alma, a enfermeira que a assiste. Percebendo que a internação não surte efeitos na condição de Vogler, sua médica sugere que ela e Alma se mudem para uma casa de praia. Então, é dado início a belíssimas seqüências dos monólogos de Alma, que, devido à mudez de Elizabeth, passa todo o tempo lhe contando suas histórias, apenas observando a expressão quase que imutável da outra.
A película mostra então a quebra desses papéis. Vogler larga sua máscara de paciente ouvinte e explode denunciando todos os seus próprios pecados, contando inclusive sobre uma orgia que participou e de um conseqüente aborto.
O embate entre as duas continua, Alma percebe que Elizabeth estava se divertindo ao ouvi-la se entregar com suas histórias todo aquele tempo em que permanecera em mudez. Alma se sente ofendida e usada, tratada como um objeto de experimento para a diversão de uma atriz muda. Então, Alma começa a denunciar todas as falhas e erros da personalidade e das ações de Vogler, como se a conhecesse há muito, mesmo a outra estando sempre muda.
O primeiro detalhe a ser tratado é quanto aos nomes presentes no filme. O primeiro deles é o próprio nome do filme, “persona”, que é o vocábulo que os gregos davam à máscara utilizada nos teatros antigos.
Bergman, ao escrever o roteiro, conhecia o significado da palavra latina Alma, o que mostra todo o detalhismo que o diretor trata sua obra, e deu esse nome à personagem de Bibi Anderson. Desse modo, qual o significado de darmos o nome Alma a uma personagem? Uma possível análise, responderia dizendo que essa personagem é a essência, o que pode ser visto pelos monólogos que ela faz durante todo o filme, tornando-a o motor principal das discussões que ocorrem na tela. Isso nos leva a uma idéia de auto reflexão, pois Alma sintetiza através de suas palavras seus sentimentos e vivências, um exercício fundamental e que leva o indivíduo a um conhecimento próprio, a trabalhar com a própria condição humana, com suas próprias características, com suas vontades, verdades, mentiras, dores e frustrações. Com isso, é curioso perceber a existência de uma troca de papéis, pois, a enfermeira se torna paciente – que é ouvida e avaliada por Vogler -, e a paciente se torna a médica analista.
É fundamental uma discussão sobre a personagem Vogler. A sua condição de atriz traz a história uma interessante reflexão acerca da arte. Ela cansou de atuar, ou seja, cansou de ser um não ser, e, por esse motivo, ela se impõe a mudez completa – algo que assassinaria, a priori, todo o lado de atriz que existisse em sua personalidade.
Mas não é isso que ocorre. O embate entre Alma e Elizabeth nos faz perceber que enquanto essa é atriz por profissão, aquela o é por vocação, por sua vida é atuar. Assim como gosta de pensar Bergman, a vida é uma atuação, é arte, ou seja, os limites da realidade com a ilusão, da verdade com a mentira, da criatura e do criador, são essencialmente tênues. Para comprovar a presença disso no enredo do filme, podemos muito bem tomar como exemplo as máscaras que ambas a personagens vestem, para esconder sua verdadeira face, o que todos fazemos, criando não só para os que nos vêem, mas também para nós mesmos, mentiras que se metamorfaseam em verdades indiscutíveis.
Podemos analisar Persona sob a luz da Teoria Jungiana. Como já dito, essa obra-prima de Bergman é um mergulho na psique humana, um levantamento de questões acerca da mente.
Lembremo-nos do significado da palavra “persona” para os gregos, ou seja, máscara. Dessa forma, persona é a máscara com a qual nos apresentamos ao mundo, ou seja, um complexo da personalidade.
A presença desse conceito no filme é bastante relevante. Elizabeth, na condição de atriz, se vê interpretando papéis e vivendo outras pessoas, outras personalidades. Isso causa um desgaste de sua persona, o que atinge seu ego e sua psique. Logo, quando ela se vê acuada e perdida, ela se emudece, se fecha em um mundo silencioso e introvertido.
O isolamento com Alma, que a acolhe e cuida dela, de nada adianta para a resolução desse problema. Vogler passa a nutrir-se da persona da enfermeira, como um fungo parasita. O ápice de toda essa dinâmica ocorre quando Elizabeth “engloba” Alma (em uma belíssima cena), momento em que percebemos que, apesar de toda a sua mudez, ela estivera sempre observando sua companheira muito atentamente, mais uma vez, como uma atriz analisando seu objeto de trabalho. Uma análise mais profunda indicaria que, a partir desse momento, existiria apenas uma pessoa, usando a mesma persona, fundidas.
Existem muitas interpretações da seqüência de abertura do filme, uma colagem modernista de imagens e sons, inclusive a psicanalítica, pois cada um pode atribuir um significado distinto ao que assiste, através de ferramentas, como, por exemplo, a livre associação de idéias.
Uma interessante interpretação é a que relaciona com o ciclo da vida. Nesse caso, o nascimento seria representado pelo inicio do funcionamento do projetor de cinema (o que coincide com toda a metalinguagem presente em outros elementos do filme). A extasiante imagem do garoto tocando o rosto de uma pessoa, na seqüência seguinte, representa muito bem uma metáfora para o encontro de uma identidade, pois no filme Bergman muitas vezes usa as mãos e o rosto com símbolos de identidade humana.
Algo que também deve ser ressaltado que geralmente passa despercebido é a escolha da médica de Vogler de mandá-la para uma casa de praia, privando a da internação em um sanatório. Essa decisão, fazendo um paralelo com a realidade atual, foi influenciada por um modo de pensar que é o mesmo que norteia a Reforma Psiquiátrica, movimento o qual tem ganho muita força e representatividade tanto no Brasil quanto no mundo.
Ao ver o estado psicoemocional de Elizabeth, a média deve ter ponderado acerca dos benefícios que a paciente teria se fosse deslocada para o convívio normal em uma casa de praia, valorizando e reintegração do individuo – no caso o paciente que surtou – à sociedade; exatamente como é feito com Vogler.



A análise cinematográfica se mostra extremamente rica quando consegue realizar a leitura completa de um filme, ou seja, quanto consegue ler o texto que se passa por debaixo de cada imagem exibida na tela branca.
São muitos os filmes que possuem enredos dotados de temos ligados à psicologia. Poderiamos citar um clássico do Cinema Americano, Que terá acontecido com Baby Jane?, de Robert Aldrich, que aborda as motivações da rivalidade, a agressividade, os limites do amor em relações familiares, dentre outros temas.
Dessa forma, é extremamente importante salientar que a análise de Persona fundamenta-se, como já dito, na Psicologia, e com mais propriedade ainda, na Psicologia da Personalidade, por tratar não só de temas pertencentes a esse assunto, mas por tê-los como fundamentais para a dinâmica fílmica, tanto do enredo quanto da própria estética cinematográfica. Portanto, faz-se mister afirmar que para que o espectador possa realizar uma boa leitura do filme, para que ele possa realmente apreciar os detalhes e as sutilezas contidas em filmes do gênero de Persona, para que ele valorize cada nuance da obra, é necessário uma certa dose de análise psicológica.

Cavernas sobre os olhos noturnos

Pensemos em dois tipos de artistas. The ones who pensam em uma história - porque toda arte é uma história ([anti]ode à Cazarim, com seus postulados imperativos de arte) -, prouduzem sua obra, e, por ela, conseguem transmitir exatamente o que pretendiam, causando a igualdade entre quem está do lado de cá e do lado de lá das páginas. E, também, the ones who pensam em uma história e também produzem sua obra, mas que não conseguem transpor à ela aquilo que havia criado. Nesse caso, a obra não está morta, muito pelo contrário. Nesse caso, duas obras são criadas: aquela que é trasmitida e que afeta o público - escancarada -, e a outra, que não conseguiu se desprender da criação do artista, continuando colada, permanece intacta, única, secreta, como uma gota de água com sais que, isolada a mil metros de profundidade na terra em alguma caverna onde a luz nunca chegará, cai de uma estalagmite à estalagtite logo abaixo.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Antes do Sono Chegar

"[...]aquelas que continuam ao longo dos anos e das mutações a dar forma aos desejos e aquelas em que os deejos conseguem cancelar a cidade ou são por essa concelados."
Le Cittá Invisibili, de Italo Calvino.

Atado, preso, espremido, comprimido, recluso, amarrado, atarraxado, aprisionado. Tolhido.
Preocupações, preocupações, preocupações.
Coisa indeFinidas, indefnIdas, indefiNidas.
Quero que passe.