quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

A Caneca de Chá

A cadeira de madeira rangeu quando ele se acomodou e apoiou os cotovelos sobre a mesa pensando sobre o que estava fazendo. Fitava os papéis esparramados e em uma harmônica desorganização - pois era assim que ele se sentia bem. Usou os polegares para massagearem as têmporas e percebeu que estava com dores de cabeça. Voltou a calçar as pantufas quentes e confortáveis, pegou uma caneca de porcelana preta sobre a superfície da mesa e se levantou. Dirigiu-se até a janela de mogno. Mogno maldito!, pensou relembrando o preço que pagara por aquela madeira na construção da casa e observando, agora, as rachaduras que a peça apresentava.
Erguendo a mão esquerda até a face roçou a barba crescida. Murmurou algo e não percebeu o que disse. Andou automaticamente até o sofá de veludo desbotado e se esparramou sobre ele tomando cuidado para não derramar o chá da caneca. Não conseguiu: o conteúdo vibrou e algumas gotas caíram no chão, sobre o tapete de palha envelhecida. Observou a cerâmica escura e se lembrou de sua origem. Ganhou aquela caneca, quando completara oito anos, de sua mãe. Cansou-se de olha-la e no mesmo instante colocou-a sobre o criado mudo.
O dia estava escuro. Inclinando o corpo sobre o estofado apoiou o pescoço no braço do sofá, dirigindo o olhar para o teto. Fechou os olhos e começou a descansar. Um barulho seco e penetrante atingiu seus ouvidos, repetidas vezes. Pôs-se de pé, Aquelas crianças malditas de novo!, andou até a janela e, usando a manga comprida da blusa, esfregou os pulsos contra o vidro a fim de retirar-lhe a umidade do embaçado. Como estava no segundo andar de seu chalé, olhou para baixo e viu dois garotos, de pouco mais que sete anos, apanharem pequenos pedregulhos na grama e arremessarem-nos contra a janela de mogno.
Franzindo o cenho virou-se e observou o cômodo. Reparou, sobre a mesa junto com seus papéis, um pequeno prato com algumas fatias de queijo e um canivete que reluzia com a sua lamina a mostra. Com paços firmes caminhou até a mesa e pegou o canivete, e, dois segundos depois estava de volta à janela. Abriu-a. A pele de seu pescoço arrepiou quando a primeira briza gélida daquela manhã entrou no quarto. Os garotos arregalaram os olhos quando o viram, e ele, segurando a lâmina do canivete, disparou-o na direção de um dos pivetes. A criança caiu no chão, e, a grama a sua volta tingiu-se de vermelho.

A luz do sol o acordara. O pequenino estava deitado em sua cama embaixo de um cobertor colorido. Ao abrir os olhos via uma caneca de chá de porcelana preta sobre uma mesinha de apoio. Observou a janela entreaberta, e reparou que seu amiguinho acenava do lado de fora o chamando. Ele se levantou, calçou seu sapatinho, pulou a janela e foi ao encontro do seu coleguinha. Os dois saíram correndo pela vizinhança, de quintal em quintal até chegarem em frete a um chalé. O garoto fitou a construção e, curvando-se, apanhou uma pedra sobre a grama atirou-a contra a janela de mogno do segundo andar.

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